sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Da lua às tuas clarividências nuas.
O pranto verdadeiro e a lágrima. A música que não sei compor e o véu diáfano que me cobre de escura luz. 
Penso, então, na letra de um blues. Mas os meus olhos ainda são verdes e a minha pele, muito branca. Quisera poder compor com a alma, cantar com os olhos, gritar com as mãos.
Prender-me na música, em todos os sentidos: tato, olfato, paladar, visão e audição.
Metamorfose escusa, escura meta, metáfora fase, fundem-se em mim.
Gostaria de poder navegar em desatinos, por outros destinos.
Desenvolver o amor que não pensava habitar dentro da carne, viva e pulsante. 
Em outro tempo houve um protagonista, de aura incandescente, com a visão da terceira metade, aquela que não se funde ao interminável ciclo de haver, ser, possuir e temer.


Tu és e em ti me perco,
E não sei se quase me encontro.

É a fase azul de Picasso. São as miscelâneas coloridas de Frida Kahlo. 

A luz no precipício, precipitada em tons negros.
Eu sei, não há sentido, mas há sentimento. 
Aos bruxos, a capacidade de enxergar além das coisas que lhes permitem;
aos gênios, o poder de inventá-las; aos poetas, a arte de cantá-las.
O que terei sido? Por onde terei andado?
Gostaria que houvesse alguém, para contar sobre o sonho que tive e sobre os meus pensamentos profundos, profanos e vis.
Mas hoje é dia doze, amanhã poderá ser vinte e um. 
Tudo depende do quanto consiga ter e colocar à parte de mim. E do quanto possa chorar, conhecer e capturar.


Quero sol e lua juntos, numa mesma hora de dois.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Relatos da madrugada

Cheguei em casa. Todos dormem.
Conforme havia prometido, fui até a sua cama e disse "mamãe chegou", como faço todas as vezes que prometo, não importa qual seja a hora. 
Hoje também disse "amo você". 
E você, de olhos fechados respondeu "amo você também", com a voz grossa, destoando do rosto alvo, pequeno e salpicado de sardas. Daí, o chamamento carinhoso: "meu sorvete de flocos."

E eu amo, mais do que tudo na vida e no mundo. 

Por mais que isso te pareça, muitos anos depois, um clichê antigo e bolorento. Assim como te chamei hoje, mais cedo "meu amor bolorento", tentando dizer que era para mim, um amor mais antigo que a minha própria existência. Mas você não entendeu...
Em sua recente e tecnológica existência, entendeu "bolorento" apenas em seu sentido literal e pejorativo...não conseguiu entender a profundidade da brincadeira. 
Mas brinquei com isso, assim como costumo brincar com todas as nossas circunstâncias.

E enquanto escrevo, a rua continua barulhenta e ansiosa (moramos no centro), com suas batidas, freadas e ônibus.

Hoje é uma noite tranquila.
É o primeiro dia do início das férias do quarto ano de um sistema prisional semi-aberto, por cumprimento de pena, por espontânea escolha, no setor de Engenharia.

Vamos nos divertir muito!

sábado, 12 de março de 2011

O sobrado

Estou aqui mais uma vez. Nessa casa que guarda todo o tempo e inibe todo o mal.
Os móveis continuam intactos. O quarto do meu avô, que já se foi; as cinco janelas grandes, com vista para a serra; os porta-retratos na sala; a mesa de jantar e a cadeira onde ele se sentava.
Todas as raízes guardadas nesses cômodos superiores.
Uma chuva se aproxima. É sábado de carnaval.
Fugi de onde estava. Não estava feliz lá.
Busquei refúgio neste lugar, onde deixei enterrada a minha alma.
Não tenho vontade de sair, mas tenho curiosidade de ver o que há atrás das janelas.
O meu tempo está aqui dentro.
Mas é estranho pensar na volubilidade do tempo e que ele continuará a correr. 
Tenho a certeza disso ao ver as crianças crescendo.
Daqui há alguns anos, outros irão. O tempo troca as pessoas, mas pode manter os lugares intactos, se assim desejarmos.

Subi hoje essas escadas e me lembrei de tantas outras vezes, há dez, vinte, trinta anos.

Sempre a mesma escada, a mesma sala, as mesmas arandelas e sempre a sensação de "mesmo tempo".

Essa sala que me abraça e que me transporta no tempo para muitas fases, para várias situações: festas de Natal, reuniões de família, corridas ansiosas até a janela para ver quem tocava a campainha lá embaixo, o toque do telefone...

Mais tarde, preparações para a noite,voltas bruscas e entorpecidas de madrugada, retornos sonolentos pela manhã.
Risos perdidos no tempo, falas guardadas nos cantos, cheiro de licor de jabuticaba e de doce de figo espalhando-se por todo o sobrado, cantorias, euforias e a certeza de que sempre fomos felizes.

Tudo guardado aqui, nesse pedaço de esquina que é nosso.