domingo, 16 de fevereiro de 2014

A FORMATURA E O CRIME (um conto da “era do funk”)

Terminei de pintar as unhas e fui levada às pressas para a AMAN. 
Cheguei quase na hora marcada e, seguindo o roteiro fornecido (e o bom senso), levei a beca para vestir no local.
Porém, na entrada do teatro, as cerimonialistas me disseram que ninguém entraria sem a tal veste e que precisaria me trocar lá fora.
Como não topei fazer o “strip” ao ar livre em área militar, entrei sem a beca mesmo.
Ao entrar, uma nova descoberta: apesar de existir uma salinha com vigias, apenas os professores poderiam deixar as suas bolsas por lá. Os formandos que “se virassem”.
Encontrei uma boa alma com um carro bem perto e “resolvi” a minha bolsa. Deixei apenas dois itens no banheiro: uma escovinha de cabelo e um pó compacto, pensando que éramos todos iguais, em um corredor calourento. Todo mundo na mesma roubada, ninguém pensaria em furtar...
Depois assinamos a ata, tiramos as fotos e permanecemos em fila confusa por um tempo indeterminado. Aí me senti, de fato, no exército. Quase todos reclamavam de calor, de fome e de sede.
Se nem água havia, impensável um canapé...
Não havia para beber, mas no banheiro feminino, depois de alguém ter deixado a descarga disparando, brotava água da pia e do ralo concomitantemente e o local se transformava em uma lagoa rasa.
Quase ninguém sabia colocar a faixa azul (nem eu), mas estava muito satisfeita com o sapato da mesma cor que havia encontrado, numa correria desvairada pelo shopping, duas horas antes do evento.
No entanto, meia hora depois da chegada, o cabelo já estava destruído (a maquiagem durou um pouco mais) e um clichê rondava a minha cabeça: da próxima vez, faço uma progressiva!
A cerimônia
Todos no palco (finalmente alguma brisa), cortinas abertas, piadas, gracejos, gente enlouquecida levantando pra ser vista pela família, gente jogando show do milhão (se levassem em consideração o nosso desempenho, não nos formaríamos), gente gritando que o chapéu chamava “capeto” e gente sedenta. Tudo lindo.
Eu só conseguia pensar na água (que não havia), na enorme “responsa” de desfilar pelo palco sem cair e em retocar a maquiagem.
Até que chegou a notícia, dada por uma amiga que tinha fugido do palco por alguns instantes: “Pegaram o seu pó!”
Crime de furto, artigo 155 do Código penal brasileiro.
A pena para quem rouba maquiagem de segunda mão? Sei lá. Abandonei a faculdade de Direito na metade...
Espantoso imaginar a cena: a formanda entra no banheiro, vê um pó compacto usado e pensa em se apropriar dele, sem nem investigar se a dona tinha perebas no rosto.
Por que não levou também a escovinha? Hum...devia ter cabelo crespo, e devia ser bem branca (pela cor do pó).
Já diminuímos as suspeitas pela metade, Inspetor Lestrade!
Ingenuamente, pensei ser impensável. Fiquei sem o pó...
...e contrariando o pensamento comum, a cerimônia foi rápida, finalizada pelo bonito discurso da nossa bonita oradora.
Depois, desespero: sessão de fotos no saguão.
Fiquei me perguntando se a mulherada estava se sentindo como eu, em uma sessão trash the dress (ou trash the beca?).
Sem maquiagem, sem cabelo, sem encontrar a família, sem celular, sem paciência e ainda com sede.
De repente, um lampejo de rebeldia: FOTO PRA QUÊ?
Como diria Geraldo Vandré, “vem vamos embora, que esperar não é saber”.
Lampejo apagado. A excelentíssima senhora minha mãe queria mais fotos.
Então, “vamulá, Maluquinho”. Rápido!
Todo mundo junto / sai todo mundo, fica você / sai você / entram os dois / saem os dois / vem você / sai / vem a mãe / sai a mãe / agora as duas / saem as duas / com a outra formanda, de sombrinha.
Pronto!
Enfim, avistei a saída e corri para ela, sem olhar ao redor, temendo que, ao fazê-lo, pudesse ser agarrada pelo braço por alguém que diria que eu nunca mais poderia sair dali.
Arranquei a beca no carro, fiz um rabo de cavalo, comprei um pó compacto de improviso na farmácia e virei publicitária.
Nizan, agora você já pode me contratar!