sábado, 12 de março de 2011

O sobrado

Estou aqui mais uma vez. Nessa casa que guarda todo o tempo e inibe todo o mal.
Os móveis continuam intactos. O quarto do meu avô, que já se foi; as cinco janelas grandes, com vista para a serra; os porta-retratos na sala; a mesa de jantar e a cadeira onde ele se sentava.
Todas as raízes guardadas nesses cômodos superiores.
Uma chuva se aproxima. É sábado de carnaval.
Fugi de onde estava. Não estava feliz lá.
Busquei refúgio neste lugar, onde deixei enterrada a minha alma.
Não tenho vontade de sair, mas tenho curiosidade de ver o que há atrás das janelas.
O meu tempo está aqui dentro.
Mas é estranho pensar na volubilidade do tempo e que ele continuará a correr. 
Tenho a certeza disso ao ver as crianças crescendo.
Daqui há alguns anos, outros irão. O tempo troca as pessoas, mas pode manter os lugares intactos, se assim desejarmos.

Subi hoje essas escadas e me lembrei de tantas outras vezes, há dez, vinte, trinta anos.

Sempre a mesma escada, a mesma sala, as mesmas arandelas e sempre a sensação de "mesmo tempo".

Essa sala que me abraça e que me transporta no tempo para muitas fases, para várias situações: festas de Natal, reuniões de família, corridas ansiosas até a janela para ver quem tocava a campainha lá embaixo, o toque do telefone...

Mais tarde, preparações para a noite,voltas bruscas e entorpecidas de madrugada, retornos sonolentos pela manhã.
Risos perdidos no tempo, falas guardadas nos cantos, cheiro de licor de jabuticaba e de doce de figo espalhando-se por todo o sobrado, cantorias, euforias e a certeza de que sempre fomos felizes.

Tudo guardado aqui, nesse pedaço de esquina que é nosso.