segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Cigarras

O barulho de cigarras sempre me leva de volta aos cinco anos, brincando sozinha nos jardins da Faculdade Teresa D’Ávila, enquanto a minha mãe resolvia os seus assuntos acadêmicos. 
Ao mesmo tempo, misturo essa lembrança à imagem de uma das árvores, retratada por ela em preto e branco, em uma de suas aulas de fotografia. 
E sempre penso que todas as cigarras vieram daquela árvore...

sexta-feira, 16 de maio de 2014

A elevação da voz, o grito no escuro, a corrida veloz em busca do vento, que se esvai.
Quem saberá, ao certo, a distância das horas inteiras, que se fazem meias, ao longo do dia?
Quem conhecerá a distância do caminho que nos leva ao encontro do véu que separa o dia da noite, a solidão da festa, a sorte da morte?
E quem vislumbrará os recônditos escuros do mundo invisível que rodeia todos os seres palpáveis e estáticos?
Que nossas almas estejam resguardadas da luxúria, dos vícios e do pudor excessivo que invade as salas dos lares distintos, causando mais devassidão.
Que Deus nos proteja e que a vida nos cure de um possível desequilíbrio: da loucura, do medo da falta e do desejo de ter tudo, a todo momento.
Que possamos levitar sem reservas e sem panos cobrindo o que mais tentamos esconder: a nudez clarificada da alma e o nosso mais profundo anseio pela liberdade, pelo amor, pela ausência de dor e principalmente pela fé.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

A FORMATURA E O CRIME (um conto da “era do funk”)

Terminei de pintar as unhas e fui levada às pressas para a AMAN. 
Cheguei quase na hora marcada e, seguindo o roteiro fornecido (e o bom senso), levei a beca para vestir no local.
Porém, na entrada do teatro, as cerimonialistas me disseram que ninguém entraria sem a tal veste e que precisaria me trocar lá fora.
Como não topei fazer o “strip” ao ar livre em área militar, entrei sem a beca mesmo.
Ao entrar, uma nova descoberta: apesar de existir uma salinha com vigias, apenas os professores poderiam deixar as suas bolsas por lá. Os formandos que “se virassem”.
Encontrei uma boa alma com um carro bem perto e “resolvi” a minha bolsa. Deixei apenas dois itens no banheiro: uma escovinha de cabelo e um pó compacto, pensando que éramos todos iguais, em um corredor calourento. Todo mundo na mesma roubada, ninguém pensaria em furtar...
Depois assinamos a ata, tiramos as fotos e permanecemos em fila confusa por um tempo indeterminado. Aí me senti, de fato, no exército. Quase todos reclamavam de calor, de fome e de sede.
Se nem água havia, impensável um canapé...
Não havia para beber, mas no banheiro feminino, depois de alguém ter deixado a descarga disparando, brotava água da pia e do ralo concomitantemente e o local se transformava em uma lagoa rasa.
Quase ninguém sabia colocar a faixa azul (nem eu), mas estava muito satisfeita com o sapato da mesma cor que havia encontrado, numa correria desvairada pelo shopping, duas horas antes do evento.
No entanto, meia hora depois da chegada, o cabelo já estava destruído (a maquiagem durou um pouco mais) e um clichê rondava a minha cabeça: da próxima vez, faço uma progressiva!
A cerimônia
Todos no palco (finalmente alguma brisa), cortinas abertas, piadas, gracejos, gente enlouquecida levantando pra ser vista pela família, gente jogando show do milhão (se levassem em consideração o nosso desempenho, não nos formaríamos), gente gritando que o chapéu chamava “capeto” e gente sedenta. Tudo lindo.
Eu só conseguia pensar na água (que não havia), na enorme “responsa” de desfilar pelo palco sem cair e em retocar a maquiagem.
Até que chegou a notícia, dada por uma amiga que tinha fugido do palco por alguns instantes: “Pegaram o seu pó!”
Crime de furto, artigo 155 do Código penal brasileiro.
A pena para quem rouba maquiagem de segunda mão? Sei lá. Abandonei a faculdade de Direito na metade...
Espantoso imaginar a cena: a formanda entra no banheiro, vê um pó compacto usado e pensa em se apropriar dele, sem nem investigar se a dona tinha perebas no rosto.
Por que não levou também a escovinha? Hum...devia ter cabelo crespo, e devia ser bem branca (pela cor do pó).
Já diminuímos as suspeitas pela metade, Inspetor Lestrade!
Ingenuamente, pensei ser impensável. Fiquei sem o pó...
...e contrariando o pensamento comum, a cerimônia foi rápida, finalizada pelo bonito discurso da nossa bonita oradora.
Depois, desespero: sessão de fotos no saguão.
Fiquei me perguntando se a mulherada estava se sentindo como eu, em uma sessão trash the dress (ou trash the beca?).
Sem maquiagem, sem cabelo, sem encontrar a família, sem celular, sem paciência e ainda com sede.
De repente, um lampejo de rebeldia: FOTO PRA QUÊ?
Como diria Geraldo Vandré, “vem vamos embora, que esperar não é saber”.
Lampejo apagado. A excelentíssima senhora minha mãe queria mais fotos.
Então, “vamulá, Maluquinho”. Rápido!
Todo mundo junto / sai todo mundo, fica você / sai você / entram os dois / saem os dois / vem você / sai / vem a mãe / sai a mãe / agora as duas / saem as duas / com a outra formanda, de sombrinha.
Pronto!
Enfim, avistei a saída e corri para ela, sem olhar ao redor, temendo que, ao fazê-lo, pudesse ser agarrada pelo braço por alguém que diria que eu nunca mais poderia sair dali.
Arranquei a beca no carro, fiz um rabo de cavalo, comprei um pó compacto de improviso na farmácia e virei publicitária.
Nizan, agora você já pode me contratar!

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Acordei.
Permaneci na cama por algum tempo sentindo a penumbra e o vento leve que vinha do ventilador.
Abri as portas da sacada. Na rua só havia silêncio.
Preparei um pequeno almoço, que deixei intacto sobre a mesa.
Organizei a edícula, mas não tive vontade de ficar lá.
Voltei para a casa.
Com exceção do barulhinho da bomba do aquário, nenhum som.
Apenas dentro da minha cabeça toca Meditação.
Fora, tudo é silêncio...

domingo, 5 de janeiro de 2014

O Sobrado

Estou no sobrado. Toca Art Blakey.
Todas as janelas estão abertas.
Do alto, vejo o cruzamento das duas ruas: a que mais gosto e a que mais me causa medo.
A vista da serra é sublime.
18 horas em um horário de verão, perdido no tempo...na Terra do nunca.