quinta-feira, 16 de abril de 2015

Verbum

O texto a seguir - escrito por um não escritor - foge, em alguns momentos, à regra culta. Não poderia ser diferente, já que tem como pretensão precípua a defesa da liberdade.

Eu não sei escrever. Não sei digitar. Não sei lidar com as concordâncias e rimas e as vírgulas insistem em habitar os meus discursos. No meu verbo não há o núcleo do tipo. 

Nasci errada, mas nasci certa para tudo o que puder assimilar. E esse é o meu grande e primoroso defeito: a capacidade de assimilar todas as reticências escondidas nos discursos alheios, analisar as expressões e, assim como dizia a frase no meu filme preferido: “Buscar a essência da vida e sugá-la, eliminando da vida tudo o que não tem essência”.

Poderia fazer pesquisas acerca do que já foi escrito sobre o amor, embora nunca possa alcançar a aura etérea em que os grandes pensadores conseguem manter seus pensamentos mais importantes... Milan Kundera, sua insustentável leveza do ser e a melhor definição para vertigem que já houve. Humberto Eco e sua dissertação sobre a tristeza da vida sem o amor. Olavo Bilac que, extraordinariamente, ouvia estrelas. Menotti Del Picchia que conservava a ilusão de que o seu vôo o levava para o mais alto. E o provérbio do caminho de Santiago de Compostela, escrito por alguém que não conheço: “Ao caminhante: não há caminho, o caminho se faz ao andar.”

Se eu soubesse escrever, teria sido amiga de Vinícius de Moraes, embora saiba que ele teria sido meu amigo de qualquer maneira. 
Penso que, se eu soubesse mesmo escrever, teria ajudado Zuenir Ventura em 1968 ou então Nelson Motta, nas deliciosas noites tropicais... o fato é que eu realmente não sei escrever.
Costuro idéias, palavras e sentimentos de outras pessoas e crio as minhas tramas feitas de retalhos. Enrosco-me nelas, me escondo e me protejo do que mais me assusta: a ausência de idéias, de arte, do sopro divino na mão do artista.

Na rua, as estrelas ainda iluminam o asfalto. Ainda há barulho e isso me mantém viva. 
Norah Jones está aqui comigo. 
Se eu fumasse, acenderia agora um cigarro e observaria a fumaça se esvair pela janela, indo à procura da liberdade na rua.

Daqui não vejo a lua, mas sei que ela está lá. Estou no período intermediário, não em um novo dia, pois ainda não dormi e nem no dia anterior que já está longe de mim agora. 
Gosto dessas horas incertas, em que não me encontro em tempo algum, como se eu estivesse em um universo paralelo. Como se nessas horas quase tudo fosse possível, até mesmo um texugo saltar da tela do meu computador e descer correndo os degraus da minha escada. Como se eu pudesse descarregar da minha máquina digital fotos tiradas em Shangri-lá, o horizonte perdido.

Um piano ao fundo, e estou agora em uma sala à meia luz, tomando um Ford Coppola.
Aromas florais e estou no vale do Loire, visitando um antigo castelo.
Calor e fogo e estou amarrada no centro de uma fogueira, no período medieval.

A arte verdadeira não está em se saber administrar as palavras da maneira correta como se fossem medicamentos, mas em curar a alma de toda a futilidade literária. 
Poder ser, imaginar, sentir tudo o que se quiser, a qualquer momento.
Saber escrever de verdade é ter o poder de convencer a si próprio de que o que se escreve é real.

Mit Guimarães

2 comentários:

Anônimo disse...

Bem bacana o texto... Acredito que o verdadeiro poder da escrita está na capacidade do escritor de mostrar a sua visão dos aspectos da vida... seja de fácil entendimento ou não ... é exatamente isso que dá a graça ... Eu só consegui começar a escrever mais depois que larguei mão de pensar em como eu seria visto ou compreendido por aquele texto...
resumindo...

entendam como quiser! rs...

Valeu pelo texto... bem legal!

Victor Silvestre disse...

não sei escrever... sei... quem melhor escreve, escreve com a alma. Escrever com a lógica é sair do que vc é... boa!!!